A Vida por Trás da Pesquisa

Todo artigo científico (ou grande parte deles) carrega uma história que normalmente não é contada. Para quem não é da área acadêmica talvez não seja fácil compreender o trabalho árduo que existe por trás de uma publicação.  Vou contar brevemente a história do artigo que Igor Castellano e eu publicamos recentemente na Revista Caderno de Relações Internacionais, intitulado “Direitos Humanos e Hegemonia: origens e alternativas ao universalismo”.

A primeira versão desse artigo foi escrita por mim, em 2014, para uma disciplina do mestrado em Direito da UNISINOS, ministrada pela Profa. Fernanda Bragato. Depois de concluída a disciplina, precisava me dedicar à dissertação e o artigo ficou engavetado. À época, o Igor terminava a tese de doutorado. Quando ele defendeu a tese, em 2015, eu já tinha concluído o mestrado e estávamos grávidos da Laura. A vida tomou outros rumos e o artigo permaneceu lá, na gaveta (ou na nuvem, para ser mais tecnológica).

A Laura foi planejada, nasceu no final de 2015 e eu optei por me dedicar integralmente à maternidade por dois anos. Dois anos se passaram e eu já nem sabia mais se era capaz de voltar aos estudos e ao mercado de trabalho. Afinal, quem sou eu? Sim, foi uma crise existencial mesmo. Minha vida estava dedicada a fazer papinhas, trocar fraldas, assistir Mundo Bita e Bob Zoom, brincar e dar muito amor à nossa filha. A maternidade é muito intensa para quem a vive diariamente. Aliás, hoje meu respeito e admiração pelas mães ou pais que abdicam de seus trabalhos externos para cuidar exclusivamente de seus filhos são ainda maiores. Sem romantismos, costumo dizer que não há nada mais cansativo do que ser mãe (mas isso é assunto para outra hora!).

Só em 2018 consegui voltar a trabalhar, estudar, escrever. Aliás, só consegui porque tive uma rede de apoio forte, especialmente por parte de meu marido, o Igor. Em uma de nossas conversas sobre o futuro, lembrei do artigo sobre direitos humanos escrito lá em 2014. Sentamos, lemos o artigo e percebemos que muita coisa poderia ser acrescentada ao debate que foi proposto inicialmente. Reestruturamos o artigo e, juntos, aprofundamos as discussões. Teve muito estudo e conversa nesse meio tempo, talvez alguns meses. Encaminhamos o artigo para um seminário acadêmico para ouvir mais opiniões e sugestões. Eu, que estava voltando ao mundo acadêmico, apresentei nervosa o nosso artigo. Felizmente o feedback foi muito positivo.

Já, em 2019, revisamos o texto e mais algumas semanas se passaram. Encaminhamos o artigo à publicação para uma revista científica cujo nome não citarei. A revista demorou quase seis meses para rejeitar o artigo, com a justificativa de que o tema já era muito debatido na literatura do campo. Não compreendemos muito bem o motivo da rejeição, já que o artigo é interdisciplinar, apresenta referências e fontes de diversos campos, como Direito, Relações Internacionais, Ciência Política e Filosofia. Mas, tudo bem, quem está acostumado à vida acadêmica, sabe que é assim mesmo. Respeitamos a decisão e vida que segue. No mesmo ano, submetemos exatamente o mesmo artigo para a Revista Caderno de Relações Internacionais que o publicou agora em janeiro de 2020, sem ressalvas ou pedidos de alteração.

Contei essa historinha para mostrar que nada é fácil, que a pesquisa acadêmica é coisa séria. A vida vai nos apresentar muitos desafios pessoais e profissionais e na Academia, assim como na vida, precisamos aprender a lidar com a rejeição, mas também com a humildade e o respeito, sem desistir pelo caminho. Esse trabalho é fruto de muita discussão e amadurecimento pessoal e intelectual – mas em hipótese alguma busca apresentar verdades, apenas instiga o questionamento sobre um tema que nunca é demais debater. Assim, gostaria de convidá-los a ler as nossas reflexões sobre direitos humanos e hegemonia.

Tentamos responder por que a concepção ocidental de direitos humanos é predominante na ordem internacional contemporânea, se existem outras visões correntes sobre direitos humanos e quais as possibilidades de mudança da concepção dominante. Sustentamos o argumento, informado pela teoria neogramsciana das Relações Internacionais, que a concepção ocidental de direitos humanos, individualista e pretensamente universal, predominou internacionalmente mediante um processo de construção hegemônica composto da configuração particular de ideias, instituições e poder. Tal estrutura e superestrutura hegemônica coexiste, contudo, com culturas contra hegemônicas. Entre elas, destacamos a visão coletivista da solidariedade humana africana, concebida no conceito de Ubuntu. Além disso, acreditamos existir potenciais soluções para a dialética hegemônica e a estruturação de um novo bloco histórico internacional, as quais debatemos na parte final do texto.

Embora fundada em trabalho árduo e amadurecimento intelectual, como toda a pesquisa científica esta é imperfeita e repleta de lacunas que abrem caminhos para novos estudos. O importante é, assim como na vida, aceitar o resultado do que temos hoje e estar aberta para novos desafios.

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